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,04/11/2025

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    Brasil rompeu pacto sul-americano que criminalizava o cultivo de cannabis na década de 1970

    Assinado em 1973, o pacto regional marcou a era proibicionista da cannabis na América do Sul e foi revogado pelo Brasil em 1994


    Brasil rompeu pacto sul-americano que criminalizava o cultivo de cannabis na década de 1970 Acordo de 1973 determinava a erradicação das plantações de cannabis | Reprodução/Mark Stebnicki/Pexels

    Em 27 de abril de 1973, representantes de sete países — Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela — reuniram-se em Buenos Aires para firmar um documento que ficaria conhecido como Acordo Sul-Americano sobre Entorpecentes e Psicotrópicos. O tratado nasceu em plena era da “guerra às drogas” impulsionada pelos Estados Unidos e tinha como principal meta uniformizar leis penais, civis e sanitárias voltadas ao combate e à erradicação de substâncias consideradas entorpecentes, entre elas a cannabis.

    O documento foi aprovado no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 78, de 1973, assinado pelo então presidente do Senado, Paulo Torres. Naquele contexto, o país ainda vivia sob o regime militar e seguia o alinhamento ideológico norte-americano, que via na repressão às drogas uma estratégia de controle social e geopolítico.

    Cannabis e coca sob ataque regional

    Entre os pontos mais rigorosos do acordo estava a determinação expressa de “intensificar as medidas existentes para a erradicação das plantações de cannabis e de coca”. O texto também proibia o cultivo de papoula, exceto em casos de pesquisa científica sob “severa fiscalização”. Assim, o pacto estabelecia a eliminação da planta de cannabis em toda a América do Sul como prioridade conjunta, um marco na consolidação da política de proibição da maconha na região.


    Erradicação de cultivo de cannabis no Paraguai (Foto: Reprodução/Pablo Porciuncula/Afp via Getty Images)

    Os países signatários comprometeram-se ainda a harmonizar suas legislações penais e criar órgãos nacionais de controle, além de trocar informações entre si para reprimir o tráfico ilícito e o uso considerado “impróprio” de entorpecentes e psicotrópicos.

    O texto também previa tratamento compulsório para pessoas dependentes químicas, a destruição imediata de plantações e matérias-primas, e a punição ampliada a médicos, farmacêuticos e profissionais que lidassem com substâncias controladas fora das regras impostas.

    Influência internacional e militarização

    O Acordo Sul-Americano refletia diretamente o clima político da época. Em 1971, os Estados Unidos haviam lançado a “War on Drugs” e pressionavam países latino-americanos a adotar medidas semelhantes. O pacto de Buenos Aires, portanto, representava um alinhamento regional ao paradigma de criminalização total, promovendo cooperação policial, uniformização de punições e vigilância transnacional sobre o cultivo e o comércio de plantas medicinais e psicoativas.

    Na prática, o acordo também serviu para militarizar políticas públicas de saúde e consolidar a perseguição à cannabis medicinal, interrompendo pesquisas científicas e criminalizando práticas tradicionais, como o uso ritualístico e terapêutico da planta em comunidades indígenas e rurais.

    O fim do acordo e a transição para novas políticas

    Duas décadas depois, o cenário político e científico havia mudado. Em fevereiro de 1994, o Brasil notificou oficialmente o governo argentino de sua decisão de denunciar o acordo, encerrando sua participação no pacto. O anúncio ocorreu junto à dissolução do próprio organismo internacional criado para coordenar o tratado, o ASEP (Acordo Sul-Americano sobre Entorpecentes e Psicotrópicos).

    O Decreto nº 1.243, de 15 de setembro de 1994, assinado pelo então presidente Itamar Franco, formalizou a revogação. A justificativa oficial foi que as atividades do ASEP já vinham sendo substituídas por novas estruturas multilaterais, como a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), criada em 1986 no Rio de Janeiro.


    Ex-presidente do Brasil Itamar Franco.

    Itamar Franco revogou o Acordo Sul-Americano sobre Entorpecentes e Psicotrópicos em 1994 (Foto: Reprodução/ALESP) 

    Com o fim do pacto, o Brasil abriu caminho para revisar sua política de drogas, ainda que o paradigma proibicionista tenha permanecido por muitos anos. Hoje, o Acordo de 1973 é lembrado como um marco histórico da repressão à cannabis na América do Sul, e como símbolo de um modelo que, cinco décadas depois, vem sendo questionado em diversos países da região.

    Contexto histórico

    A assinatura do acordo ocorreu antes mesmo da criação da Lei 6.368/1976, que consolidou a política antidrogas no Brasil e criminalizou de forma mais severa o uso e o plantio de cannabis. Assim, o pacto regional funcionou como precursor das legislações nacionais repressivas e da cooperação internacional em torno da erradicação da planta.

    A revogação, em 1994, simbolizou não apenas o esgotamento do modelo de guerra às drogas na América do Sul, mas também o início de uma nova era de debates sobre descriminalização, uso medicinal e direitos humanos, temas que hoje voltam ao centro da discussão política e científica sobre a cannabis no continente.




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